sábado, 7 de setembro de 2013

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO


Antes de tudo, cabe a compreensão do que se entende, atualmente, por “Estado democrático de direito.
  
Segundo Silva (1997), o conceito de Estado Democrático de Direito reúne dois princípios distintos: o princípio do Estado Democrático e o princípio do Estado de Direito. Tal reunião não é apenas a soma destes dois elementos, mas revela um conceito novo que os supera. 

Por Estado de Direito, percebemos um Estado tipicamente liberal, cujas características básicas são a submissão ao império da lei, a divisão de poderes, e o enunciado de garantia dos direitos individuais. Tais preceitos são e sempre foram postulados básicos da organização política liberal. Trata-se de preceitos nascidos do paradigma moderno e consolidados na luta contra o Estado Absoluto e a intromissão indevida e abusiva na vida privada. São mecanismos de controle do poder estatal que visam garantir os direitos relacionados à liberdade –  chamados de direitos fundamentais de primeira geração – que dizem respeito aos direitos civis e políticos, garantidores da dignidade humana. 
Uma grande conquista para o Estado de direito ocorreu recentemente. Em 1990, foi constituída pelo Conselho Europeu, como órgão consultivo em matéria constitucional, a chamada “Comissão de Veneza”. Formada inicialmente por representantes de todos os países da União Européia, posteriormente recebeu a adesão de  representantes de outros países, dentre os quais o Brasil. Esta comissão, desde 2009, vem debatendo sobre o controvertido conceito de “Estado de direito”. Em março de 2011, publicou um relatório com suas considerações acerca do tema. Neste relatório, os países participantes manifestaram consenso na exigência de seis itens necessários para que exista um Estado de direito: (1) legalidade, incluindo um processo legislativo transparente, embasado e democrático; (2) segurança jurídica; (3) proibição de arbitrariedades; (4) acesso à justiça, perante tribunais independentes e imparciais, incluindo a revisão de atos administrativos; (5) respeito pelos direitos humanos; (6) não discriminação e igualdade perante a lei.

Ainda, chegou a redigir uma checklist para a avaliação de cada Estado em particular, com vistas a identificá-lo como Estado de direito, ou não. Tal checklist pode acabar funcionando como uma relação dos parâmetros a serem respeitados em um Estado de Direito, ou seja, como um norte balizador da estrutura e funcionamento de um Estado que se diz Estado de direito. 

Já por Estado Democrático, se entende um estado que se funda no princípio da soberania popular, que impõe a participação efetiva do povo na coisa pública. Sobre este, acrescentemos o testemunho oportuno de Silva (1997, p. 118):

“Visa, assim, a realizar o princípio democrático como garantia geral dos direitos fundamentais da pessoa humana. Nesse sentido, na verdade, contrapõe-se ao Estado Liberal, pois, como lembra Paulo Bonavides, a idéia essencial do liberalismo não é a presença do elemento popular na formação da vontade estatal, nem tampouco a teoria igualitária de que todos tem direito igual a essa participação ou que a liberdade é formalmente esse direito.” (grifos nossos)

Percebe-se a importância dada ao princípio democrático como garantia dos direitos fundamentais da pessoa humana. Isto se dá pelo fato de que a soberania popular vem garantir a participação efetiva do povo no poder estatal, quer em sua administração, quer em seu processo legislativo, assim garantindo a concretização de seus interesses individuais e coletivos, que ficariam à mercê dos governantes, caso não houvesse tal participação popular efetiva na coisa pública. 

Assim, indo além do Estado de Direito, que busca a limitação do poder estatal, o Estado Democrático busca atribuir o controle de tal poder aos cidadãos, em um esforço de garantir a participação popular no governo, assim evitando que, mesmo limitado, o poder estatal se volte contra os cidadãos daquela nação.

Sobre  o Estado Democrático de Direito, diz Silva (1997, p. 119) que :

“A configuração do Estado Democrático de Direito não significa apenas unir formalmente os conceitos de Estado Democrático e Estado de Direito. Consiste, na verdade, na criação de um conceito novo, que leva em conta os conceitos dos elementos componentes, mas os supera na medida em que incorpora um componente revolucionário de transformação do status quo. E aí, se entremostra a extrema importância do art. 1° da Constituição de 1988, quando afirma que a República Federativa do Brasil se constitui em Estado Democrático de Direito, não como mera promessa de organizar tal estado, pois a constituição aí já o está proclamando e fundando.”

E acrescenta: 

“A democracia que o Estado Democrático de Direito realiza há de ser um processo de convivência social numa sociedade livre, justa e solidária (art. 3°, I), em que o poder emana do povo, e deve ser exercido em proveito do povo, diretamente ou por representantes eleitos (Art. 1°, parágrafo único); participativa, porque envolve a participação crescente do povo no processo decisório e na formação dos atos de governo; pluralista, porque respeita a pluralidade de idéias, culturas e etnias, e pressupõe assim o diálogo entre opiniões e pensamentos divergentes e a possibilidade de convivência de formas de organização e interesses diferentes da sociedade; há de ser um processo de liberação da pessoa humana das formas de opressão que não depende apenas do reconhecimento formal de certos direitos individuais,  políticos e sociais, mas especialmente da vigência de condições econômicas suscetíveis de favorecer o seu pleno exercício.” (SILVA, 1997, p. 120, grifos nossos)

Das palavras de nosso eminente constitucionalista, percebe-se a importância do conceito de Estado Democrático de Direito para a constituição de nosso país e, consequentemente para o direito eleitoral, não só a partir de sua fundamentação, mas a partir, também, dos objetivos a que se impõe.  Como visto, o conceito engloba não apenas premissas constitutivas, mas também premissas imperativas. Não só se importa com delimitar o poder do Estado, mas vai além e determina o objetivo para o qual este poder é implementado e deve ser exercido. Qual seja, o de ser exercido em proveito do povo.

(Texto extraído de meu livro "Fundamentos do Direito Eleitoral Brasileiro", publicado pela Penélope Editora)

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