Fávila
Ribeiro, acerca da natureza dos crimes eleitorais, é bem enfático:
"Os crimes eleitorais
compõem subdivisão dos crimes políticos. Entre nós, brasileiros, comportaria,
presentemente, dividir os crimes políticos em duas categorias, estando a
primeira ocupada pelos crimes militares ficando a segunda com os crimes
eleitorais." (RIBEIRO, 1996, p. 554)
Ribeiro segue explicando que, apesar
de que nenhuma das duas categorias de crimes políticos foi expressamente tida
como tal pelo direito positivo, tecnicamente o caráter político delas somente
se ajusta, inclusive estando, as duas, repartidas entre duas áreas
jurisdicionais especializadas: a eleitoral e a militar. E acrescenta que a
Constituição Federal, em seu artigo 129, dá competência aos juízes federais
para processar e julgar os crimes políticos, ressalvada a competência da
Justiça Militar e da Justiça Eleitoral.
Porém, o maior argumento do
professor Ribeiro para a inclusão dos crimes eleitorais como subdivisão dos
crimes políticos vem adiante:
"A inclusão dos crimes
eleitorais na esfera de especialização política não é apenas decorrente da
atitude assumida pelo legislador pátrio, retirando-os do contexto do Código
Penal, fazendo-os inserir em capítulo da codificação eleitoral, mas é devido a
própria natureza dos crimes eleitorais, afetando diretamente as instituições
representativas, estruturas básicas da organização política democrática,
que impõe sejam reconhecidos como crimes políticos." (RIBEIRO, 1996, p. 554)
(grifos nossos)
Como visto anteriormente, o Estado
Democrático de Direito depende da legitimação dada pela soberania popular, que
é exercida por meio da cidadania, no processo democrático do sufrágio popular.
Um ataque a tal processo de legitimação das instituições representativas
significa um ataque ao próprio Estado Democrático de Direito. Tal ataque mina
seus fundamentos e o destitui da legitimidade necessária para sua própria
existência. No testemunho do professor Ribeiro:
"No Estado organizado
democraticamente, o primeiro e originário poder reside no povo, mais
precisamente, no corpo de cidadãos que constitui o poder de sufrágio. Esse
poder de sufrágio nos termos do caput
do art. 14, da Constituição Federal, constitui o órgão político primário,
pelo qual, de modo exclusivo, é exercida a soberania popular, para deliberar
diretamente ou eleger representantes. Em qualquer das duas alternativas
democráticas fica a legitimidade governamental a depender da manifestação do
povo, considerado em sua expressão política, isto é, do corpo eleitoral." (RIBEIRO, 1996, p.554) (grifos nossos)
Como muito bem salientado pelo
professor Ribeiro, o sufrágio popular se constitui no órgão político primário,
de onde todo o corpo político deriva, se fundamenta e se legitima. O sufrágio
popular é "a energia política que vai assegurar o funcionamento de
instituições governamentais." (RIBEIRO, 1996, p. 555).
Percebe-se que não há como haver
crime político maior do que o que ataca o próprio fundamento de um Estado. Ao
atacar o processo eleitoral, ataca-se o próprio Estado em seu âmago. Mina-se
suas forças, sua energia vital, sua capacidade de existir e se mover.[1]
De todo o exposto, não há que se chegar a outra conclusão
senão a de que os crimes eleitorais se tratam de crimes políticos.
[1] Pertinentes à questão os seguintes depoimentos de Fávila
Ribeiro sobre o pensamento de outros doutrinadores:
"Observa
Adolphe Prins que, para caracterização dos crimes políticos, é
necessáriodefinir a ordem política, a qual deverá ser considerada nos aspectos
externo e interno. Do ponto de vista externo compreende a independência da
nação, a integridade do território, as relações de uns Estados com outros. E no
aspecto interno envolve a forma de governo, os poderes políticos e os direitos
políticos dos cidadãos. Detendo-se, a seguir, sobre as infrações políticas
contra a ordem interior, Prins assinala que se ocupam por um lado das que
atentam contra a existência ou funcionamento
dos poderes políticos; e por outro, das que perturbam ou entravam a
intervenção popular na formação dos seus poderes, afetando os direitos
políticos dos cidadãos. (Adolphe Prins, Science Penale et Droit Positif, Paris,
Bruylant-Cristophe & Cie, Ed., 1899, pp. 90-94.)" (RIBEIRO, 1996, p.
555)
"Nesse
sentido ressalta Vicenzo Manzini que o crime eleitoral tem 'o caráter
objetivamente político porque é desferido contra a personalidade do Estado e
porque ofende a interesse político do cidadão, atingindo contemporãnea e
prevalecentemente a interesse político do Estado' (Vincenzo Manzini, Tratado di
Diritto Penale Italiano, Torino, Unione Tip. Ed. Toriniense, 1950, vol. IV, p.
549)" (RIBEIRO, 1996, p. 555)
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